Um pouco de história.
Daniel Takata GomesPublicado em 21/04/2008
Em Jogos Olímpicos, invariavelmente as provas de revezamento se configuram entre as mais emocionantes das disputas. A prova em equipe, o nacionalismo, tudo contribui para a superação dos nadadores, que não raro nadam melhor em revezamentos do que nas provas individuais. Por isso, na coluna de hoje apresentaremos quatro dos mais empolgantes revezamentos de todos os tempos, que entraram para a história pelas acirradas disputas e principalmente pela surpresa dos resultados finais.
MONTREAL/1976 - 4X100M LIVRE FEMININO
A Olimpíada de Montreal representou a aparição para o mundo das nadadoras alemãs orientais. Lideradas por Kornelia Ender, até a última prova elas haviam vencido 11 dos 12 ouros em disputa. As americanas, por outro lado, que até então haviam se acostumado a dominar as piscinas olímpicas, não haviam ganho nenhuma prova. E o cenário para a última prova feminina do programa, o 4x100m livre feminino, não poderia ser diferente: favoritismo absoluto para a Alemanha Oriental, que tinha Kornelia Ender como a campeã e recordista da prova individual, a maior estrela daqueles Jogos, além da medalha de prata, Petra Priemer. O máximo que as americanas haviam conseguido nos 100m livre foi um quarto lugar com Kim Peyton.
E foi contra Peyton que Ender abriu o revezamento, já livrando uma vantagem de 1.16s. Priemer caiu para abrir mais vantagem, mas as coisas não saíram exatamente como planejado. Wendy Boglioli, a única da equipe americana que não havia nadado a prova individual, fez 55.81 e diminuiu a desvantagem para 0.35s. Jill Sterkel, cujo melhor tempo nos 100m livre era 57.06, fez ainda melhor com 55.78 (a melhor parcial entre as finalistas), ultrapassou Andrea Pollak e conseguiu uma liderança de 0.40s. Shirley Babashoff, fechando contra Claudia Hempel, manteve a liderança e conseguiu uma vitória surpreendente. Novo recorde mundial com 3:44.82 (abaixando quase quatro segundos a marca anterior), único ouro feminino da natação americana daqueles Jogos. Não sem razão, a vitória mais comemorada e a maior surpresa da competição. "Deixamos o melhor para o final", disse Wendy Boglioli.
LOS ANGELES/1984 - 4X200M LIVRE MASCULINO
Uma grande batalha entre Alemanha e Estados Unidos em revezamento seria vista novamente nas Olimpíadas de Los Angeles/1984. Desta vez, entre os homens, e como os alemães ocidentais, que contavam com o formidável Michael Gross, o "Albatroz", o maior nadador do mundo da época. Gross já contava com duas medalhas de ouro e dois recordes mundiais quando foi disputar o 4x200m livre.
A Alemanha Ocidental detinha o recorde mundial da prova, mas a equipe americana superou a marca já nas eliminatórias. A presença de Gross no time alemão levou os técnicos americanos a mudarem a estratégia da prova na final. Ao invés de colocarem Mike Heath, seu melhor nadador, para fechar contra o Albatroz, resolveram deslocar Heath para abrir a prova, com o intuito de abrir a maior vantagem possível e tentar segurar a liderança quando Gross caísse na água. Quando Bruce Hayes, o último nadador dos Estados Unidos, entrasse na piscina, a expectativa era que ele estivesse 3 segundos à frente de Gross.
No entanto, a vantagem sonhada não se materializou. Hayes tinha uma vantagem de apenas um segundo e meio quando caiu na piscina. Tanto que, em apenas 50 metros, foi alcançado por Gross, e foi ultrapassado após 100 metros. Para Hayes, o confronto com Gross agora era realidade. Semanas antes, ele havia sonhado com a batalha. “Nos meus sonhos, eu o via me passando. Eu estava próximo da chegada e ele, com o bração, me vencia. Portanto, nem nos meus sonhos eu o vencia”. Aos 150 metros, Gross tinha uma vantagem clara. Mas o impossível aconteceu: Hayes diminuiu a distância e, na última braçada, venceu o alemão por apenas 4 centésimos, para delírio do público presente. Foi com certeza a prova mais emocionante daqueles Jogos. Gross nadou aqueles 200 metros em 1:46.89, a parcial mais rápida da história de revezamentos até então. E na coletiva de imprensa resolveu louvar os adversários ao invés de encontrar desculpas para a derrota. "Foi realmente uma grande prova. Foi uma derrota honrável".
SYDNEY/2000 - 4X100M LIVRE MASCULINO
O polêmico e irreverente nadador americano Gary Hall Jr havia declarado, antes dos Jogos Olímpicos de Sydney/2000, “we’ll smash them like guitars”, em uma provocação aos australianos, que ameaçavam o domínio dos Estados Unidos na natação.
Foi o suficiente para apimentar ainda mais as disputas, e o ápice da emoção aconteceu no revezamento 4x100m livre masculino, logo na primeira noite de finais, com o próprio Hall sendo um dos protagonistas. Quatro anos antes, ele havia sido o maior responsável pela vitória da prova de sua equipe em Atlanta. Novamente, ele seria a principal arma americana, favorita ao ouro e nunca derrotada antes na história olímpica da prova.
Michael Klim abriu contra Anthony Ervin quebrando o recorde mundial dos 100m livre com 48.18. Seguiram Chris Fydler e Ashley Callus para a Austrália e Neil Walker e Jason Lezak para os Estados Unidos. A liderança mudou de mãos quatro vezes até que Hall, com uma pequena desvantagem, caiu para decidir contra Ian Thorpe. Após 50 metros, Hall já tinha uma boa vantagem de 6 décimos de segundo. Mas Thorpe, empurrado pela torcida, fez o que parecia impossível. Emparelhou com Hall faltando cinco metros e ganhou na batida de mão com novo recorde mundial: 3:13.67 x 3:13.86.
O mundo viu embasbacado dois recordes mundiais na mesma prova e o fim da invencibilidade americana. De quebra, a prova teve um gostinho a mais para os brasileiros, pois, em uma chegada emocionante, Edvaldo Valério ultrapassou nadadores das equipes sueca e alemã para dar um suado e merecido bronze ao Brasil.
Após a prova, os australianos fingiram tocar uma guitarra imaginária, em homenagem à vitória e a Gary Hall Jr. "Tiro minha touca para o grande Ian Thorpe", reconheceu Hall após a prova. Ao longo da competição, os principais nadadores australianos sofreram derrotas inesperadas e os Estados Unidos reafirmaram sua posição como principal potência aquática do mundo. Mas, naquela noite, não houve guitarras australianas destroçadas.
ATENAS/2004 - 4X200M LIVRE MASCULINO
A Austrália chegou a Atenas/2004 com uma invencibilidade de sete anos no 4x200m livre masculino e com o recorde mundial desde 1998. A distância para o resto do mundo parecia interminável, ainda mais considerando os nomes que passavam pelo revezamento: Ian Thorpe, Michael Klim, Grant Hackett, Matt Dunn, Daniel Kowalski... Mas no Mundial de Barcelona/2003 os americanos mandaram um aviso de que aquela hegemonia poderia estar chegando ao fim.
Os Estados Unidos contavam com Michael Phelps, maior estrela dos Jogos. Mas os australianos, com o campeão olímpico e recordista mundial da prova individual, Ian Thorpe, mais o ex-recordista Grant Hackett e o ex-campeão mundial Michael Klim, eram os favoritos.
Phelps abriu na frente contra Hackett e ambos pioraram bem o tempo da prova individual. Klim encostou em Ryan Lochte, mas morreu no fim e entregou um corpo atrás para Nicholas Sprenger. Peter Vanderkaay manteve a liderança para os EUA, enquanto Sprenger ficava cada vez mais, brigando para manter o segundo lugar com a Itália. Então caiu na piscina Klete Keller, com uma considerável vantagem de um corpo e meio sobre o recordista mundial Ian Thorpe. Mas Thorpe alcançou Keller em 50 metros e começou a administrar. Só que ele não contava que Keller também tinha uma carta na manga. Virando juntos para o final, a piscina viu muita raça. Melhor para Keller, derrotando o Thorpedo por 13 centésimos! "Foi a prova mais emocionante que já participei. Estou sem palavras", declarou Michael Phelps. A prova lembrou muito o duelo Michael Gross contra Bruce Hayes, nos Jogos de 1984.
A vitória americana foi uma vingança contra a derrota no 4x100m livre em Sydney/2000. Desta vez, foram os Estados Unidos que derrotaram a Austrália em sua prova de estimação. E para deixar a vingança mais completa, a equipe da Austrália contava com Michael Klim e Ian Thorpe, os dois principais protagonistas da vitória histórica do 4x100m livre quatro anos antes.
Daniel Takata Gomes, 26, é mestre em estatística pela UNICAMP, nadador nas horas vagas, começou a colecionar fatos e fotos sobre a história do esporte com a Biblioteca do Escoteiro Mirim após as Olimpíadas de Barcelona/1992 e não parou mais.
Em Jogos Olímpicos, invariavelmente as provas de revezamento se configuram entre as mais emocionantes das disputas. A prova em equipe, o nacionalismo, tudo contribui para a superação dos nadadores, que não raro nadam melhor em revezamentos do que nas provas individuais. Por isso, na coluna de hoje apresentaremos quatro dos mais empolgantes revezamentos de todos os tempos, que entraram para a história pelas acirradas disputas e principalmente pela surpresa dos resultados finais.
MONTREAL/1976 - 4X100M LIVRE FEMININO
A Olimpíada de Montreal representou a aparição para o mundo das nadadoras alemãs orientais. Lideradas por Kornelia Ender, até a última prova elas haviam vencido 11 dos 12 ouros em disputa. As americanas, por outro lado, que até então haviam se acostumado a dominar as piscinas olímpicas, não haviam ganho nenhuma prova. E o cenário para a última prova feminina do programa, o 4x100m livre feminino, não poderia ser diferente: favoritismo absoluto para a Alemanha Oriental, que tinha Kornelia Ender como a campeã e recordista da prova individual, a maior estrela daqueles Jogos, além da medalha de prata, Petra Priemer. O máximo que as americanas haviam conseguido nos 100m livre foi um quarto lugar com Kim Peyton.
E foi contra Peyton que Ender abriu o revezamento, já livrando uma vantagem de 1.16s. Priemer caiu para abrir mais vantagem, mas as coisas não saíram exatamente como planejado. Wendy Boglioli, a única da equipe americana que não havia nadado a prova individual, fez 55.81 e diminuiu a desvantagem para 0.35s. Jill Sterkel, cujo melhor tempo nos 100m livre era 57.06, fez ainda melhor com 55.78 (a melhor parcial entre as finalistas), ultrapassou Andrea Pollak e conseguiu uma liderança de 0.40s. Shirley Babashoff, fechando contra Claudia Hempel, manteve a liderança e conseguiu uma vitória surpreendente. Novo recorde mundial com 3:44.82 (abaixando quase quatro segundos a marca anterior), único ouro feminino da natação americana daqueles Jogos. Não sem razão, a vitória mais comemorada e a maior surpresa da competição. "Deixamos o melhor para o final", disse Wendy Boglioli.
LOS ANGELES/1984 - 4X200M LIVRE MASCULINO
Uma grande batalha entre Alemanha e Estados Unidos em revezamento seria vista novamente nas Olimpíadas de Los Angeles/1984. Desta vez, entre os homens, e como os alemães ocidentais, que contavam com o formidável Michael Gross, o "Albatroz", o maior nadador do mundo da época. Gross já contava com duas medalhas de ouro e dois recordes mundiais quando foi disputar o 4x200m livre.
A Alemanha Ocidental detinha o recorde mundial da prova, mas a equipe americana superou a marca já nas eliminatórias. A presença de Gross no time alemão levou os técnicos americanos a mudarem a estratégia da prova na final. Ao invés de colocarem Mike Heath, seu melhor nadador, para fechar contra o Albatroz, resolveram deslocar Heath para abrir a prova, com o intuito de abrir a maior vantagem possível e tentar segurar a liderança quando Gross caísse na água. Quando Bruce Hayes, o último nadador dos Estados Unidos, entrasse na piscina, a expectativa era que ele estivesse 3 segundos à frente de Gross.
No entanto, a vantagem sonhada não se materializou. Hayes tinha uma vantagem de apenas um segundo e meio quando caiu na piscina. Tanto que, em apenas 50 metros, foi alcançado por Gross, e foi ultrapassado após 100 metros. Para Hayes, o confronto com Gross agora era realidade. Semanas antes, ele havia sonhado com a batalha. “Nos meus sonhos, eu o via me passando. Eu estava próximo da chegada e ele, com o bração, me vencia. Portanto, nem nos meus sonhos eu o vencia”. Aos 150 metros, Gross tinha uma vantagem clara. Mas o impossível aconteceu: Hayes diminuiu a distância e, na última braçada, venceu o alemão por apenas 4 centésimos, para delírio do público presente. Foi com certeza a prova mais emocionante daqueles Jogos. Gross nadou aqueles 200 metros em 1:46.89, a parcial mais rápida da história de revezamentos até então. E na coletiva de imprensa resolveu louvar os adversários ao invés de encontrar desculpas para a derrota. "Foi realmente uma grande prova. Foi uma derrota honrável".
SYDNEY/2000 - 4X100M LIVRE MASCULINO
O polêmico e irreverente nadador americano Gary Hall Jr havia declarado, antes dos Jogos Olímpicos de Sydney/2000, “we’ll smash them like guitars”, em uma provocação aos australianos, que ameaçavam o domínio dos Estados Unidos na natação.
Foi o suficiente para apimentar ainda mais as disputas, e o ápice da emoção aconteceu no revezamento 4x100m livre masculino, logo na primeira noite de finais, com o próprio Hall sendo um dos protagonistas. Quatro anos antes, ele havia sido o maior responsável pela vitória da prova de sua equipe em Atlanta. Novamente, ele seria a principal arma americana, favorita ao ouro e nunca derrotada antes na história olímpica da prova.
Michael Klim abriu contra Anthony Ervin quebrando o recorde mundial dos 100m livre com 48.18. Seguiram Chris Fydler e Ashley Callus para a Austrália e Neil Walker e Jason Lezak para os Estados Unidos. A liderança mudou de mãos quatro vezes até que Hall, com uma pequena desvantagem, caiu para decidir contra Ian Thorpe. Após 50 metros, Hall já tinha uma boa vantagem de 6 décimos de segundo. Mas Thorpe, empurrado pela torcida, fez o que parecia impossível. Emparelhou com Hall faltando cinco metros e ganhou na batida de mão com novo recorde mundial: 3:13.67 x 3:13.86.
O mundo viu embasbacado dois recordes mundiais na mesma prova e o fim da invencibilidade americana. De quebra, a prova teve um gostinho a mais para os brasileiros, pois, em uma chegada emocionante, Edvaldo Valério ultrapassou nadadores das equipes sueca e alemã para dar um suado e merecido bronze ao Brasil.
Após a prova, os australianos fingiram tocar uma guitarra imaginária, em homenagem à vitória e a Gary Hall Jr. "Tiro minha touca para o grande Ian Thorpe", reconheceu Hall após a prova. Ao longo da competição, os principais nadadores australianos sofreram derrotas inesperadas e os Estados Unidos reafirmaram sua posição como principal potência aquática do mundo. Mas, naquela noite, não houve guitarras australianas destroçadas.
ATENAS/2004 - 4X200M LIVRE MASCULINO
A Austrália chegou a Atenas/2004 com uma invencibilidade de sete anos no 4x200m livre masculino e com o recorde mundial desde 1998. A distância para o resto do mundo parecia interminável, ainda mais considerando os nomes que passavam pelo revezamento: Ian Thorpe, Michael Klim, Grant Hackett, Matt Dunn, Daniel Kowalski... Mas no Mundial de Barcelona/2003 os americanos mandaram um aviso de que aquela hegemonia poderia estar chegando ao fim.
Os Estados Unidos contavam com Michael Phelps, maior estrela dos Jogos. Mas os australianos, com o campeão olímpico e recordista mundial da prova individual, Ian Thorpe, mais o ex-recordista Grant Hackett e o ex-campeão mundial Michael Klim, eram os favoritos.
Phelps abriu na frente contra Hackett e ambos pioraram bem o tempo da prova individual. Klim encostou em Ryan Lochte, mas morreu no fim e entregou um corpo atrás para Nicholas Sprenger. Peter Vanderkaay manteve a liderança para os EUA, enquanto Sprenger ficava cada vez mais, brigando para manter o segundo lugar com a Itália. Então caiu na piscina Klete Keller, com uma considerável vantagem de um corpo e meio sobre o recordista mundial Ian Thorpe. Mas Thorpe alcançou Keller em 50 metros e começou a administrar. Só que ele não contava que Keller também tinha uma carta na manga. Virando juntos para o final, a piscina viu muita raça. Melhor para Keller, derrotando o Thorpedo por 13 centésimos! "Foi a prova mais emocionante que já participei. Estou sem palavras", declarou Michael Phelps. A prova lembrou muito o duelo Michael Gross contra Bruce Hayes, nos Jogos de 1984.
A vitória americana foi uma vingança contra a derrota no 4x100m livre em Sydney/2000. Desta vez, foram os Estados Unidos que derrotaram a Austrália em sua prova de estimação. E para deixar a vingança mais completa, a equipe da Austrália contava com Michael Klim e Ian Thorpe, os dois principais protagonistas da vitória histórica do 4x100m livre quatro anos antes.
Daniel Takata Gomes, 26, é mestre em estatística pela UNICAMP, nadador nas horas vagas, começou a colecionar fatos e fotos sobre a história do esporte com a Biblioteca do Escoteiro Mirim após as Olimpíadas de Barcelona/1992 e não parou mais.
Até mais
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